"A gente sempre se encontrava com segurança. A gente ia na casa dela e ela na minha, sempre de máscara. Mas ela não aceitava. Eu punha a máscara, meu filho punha, mas ela não queria pôr. A gente tinha que ficar brigando.
Nós tentamos argumentar com ela com fatos de outro país. Ela falava que aqui era briga política. Aí a gente falava: ‘Tá, aqui tá tendo briga política, mas e lá na Itália, qual é a briga que tá tendo lá e que morrem tantas velhinhas por dia?’. Ela falava que era o tanto que tinha que morrer.
Quando ela me mostrava aquelas mensagens [falsas], eu nem sabia nem o que argumentar. Aquele monte de cova aberta. Que era tudo mentira, que o presidente falou que era uma gripezinha. Mostrava os hospitais vazios. Não sei em que bendito de hospital que esse povo ia, que o hospital estava vazio.
Uma amiga nossa, ela é fisioterapeuta, e aí ela veio fazer acupuntura. Quando foi na segunda-feira, ela ligou falando que testou positivo [pra Covid-19].
A gente fazia ligação de vídeo. Depois de um tempo, falei: ‘Mãe, a senhora tá começando com [sintoma de] gripe, vai no médico’. E ela: ‘Não, eu tô com uma gripe, eu sempre tive, é gripe, é gripe’. Eu falei: ‘Mãe, não é, é Covid’.
Eu liguei de novo depois de uns dias. Na ligação, eu vi que ela estava diferente. Ela estava pálida e suando. ‘Mãe, a senhora não foi ao hospital, mãe?’. ‘Eu estou ótima’. Falei: ‘Mãe de Deus, eu estou vendo a senhora desmanchando aí na cama de calor’.
No áudio que ela mandou para a minha prima, ela falou que estava morrendo, que daquela noite ela não passava, que ela estava com muita dor nas costas e que os filhos não ligavam.
Liguei de novo e ela começou a falar: ‘Esses enfermeiros vão me matar, eles vão falar que eu estou com Covid para eu virar estatística e eles ganharem dinheiro.'
Na sexta, eu liguei de novo e ela já estava com a máscara de oxigênio. Ela falou: ‘Vem me buscar’. Falei: ‘Vou, agora. Tira a máscara e conversa comigo 10 minutos. Aí eu vou te buscar’. Ela não conseguia nem tirar a máscara para falar ‘oi’ mais.
Ela foi entubada, pois ela já não conseguia mais. Aí passou a semana. Eles me ligaram falando que ela tinha falecido. Eu acho que ela foi entubada acreditando que eles iam matá-la. Ela morreu sem saber.
O povo acredita na palavra de tal político, de tal pastor... Eles acreditam em tudo, menos na ciência. Eu acho que as pessoas tinham que olhar para esse tanto de mortes. É uma gripe? É uma gripe. Mas ela não é uma gripe comum. Ela é uma gripe que mata.
É difícil. Tem hora que eu não acredito. Eu não vivi o luto dela ainda. Como eu não pude enterrar, como eu não vi ela doente, eu sonho que ela está viva. Eu quero falar uma coisa para ela… e não tem jeito.
Se a gente pode tomar vacina, vamos tomar a vacina. Vamos nos cuidar. Vamos usar máscara.”
(G1)
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