Os proprietários rurais que “ganhassem” um em suas terras teriam “uma aposentadoria para o resto da vida”. Sete anos se passaram e, hoje, com mais de 200 geradores instalados na região, não só a paisagem rural mudou, mas a vida e a saúde dos agricultores: “a minha vida virou um inferno”.
Desde agosto deste ano, uma comitiva formada por entidades, movimentos sociais e sindicais e parlamentares está visitando as áreas de parques eólicos no agreste do Estado para ouvir depoimentos de agricultores e agricultoras familiares sobre os impactos desses grandes empreendimentos na vida dessas famílias. O Brasil de Fato Pernambuco acompanhou uma dessas visitas, que deram base a uma série de duas reportagens sobre as consequências da instalação de parques eólicos na saúde das famílias, na produção e no meio ambiente.
A empresa ofereceu reformar e construir as casas, além de pagar entre R$ 1.500 e R$ 2.000 por cada aerogerador no terreno – segundo a empresa, o valor varia de acordo com a produção de energia naquele mês (mas as famílias não têm acesso a informação sobre quantos quilowatts foi produzido). O recurso é relevante, especialmente num município com menos de 30 mil habitantes e pobre, com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH de 0,522.
As visitas e conversas entre empresa e famílias foram mediadas pelas prefeituras. Naquele momento as gestões eram dos prefeitos Armando (PTB, Caetés), Ernandes (antigo PR, hoje PL - Venturosa), Zeca Vaz (PTB, Pedra) e Neide Reino (PSB, Capoeiras). Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) não foram convidados e só ficaram sabendo das visitas após conversas avançadas.
Ainda assim, mesmo os sindicatos tinham uma visão no geral positiva sobre a proposta da Casa dos Ventos: traria renda para as famílias, melhorando as condições de vida no campo e movimentando a economia local, tudo isso com energia limpa.
Ao longo de 2014 e 2015 foram feitos estudos para a empresa decidir os locais mais adequados para a instalação dos aerogeradores, que foram construídos ao longo de 2015 e o parque eólico, batizado de “Ventos de São Clemente”, entrou em funcionamento em 2016. É um complexo de 126 aerogeradores espalhados em quase 100 propriedades rurais – a maioria em Caetés. Com o início do funcionamento surgiram os problemas e as famílias passaram a buscar os sindicatos locais.
Um desses agricultores é Simão Salgado da Silva, de 73 anos. Ele vive há 13 anos num sítio na divisa entre Caetés e Venturosa com sua esposa Edite Maria da Silva, 72. Sua propriedade rural não tem um aerogerador, mas fica a apenas 220 metros de distância de um deles e isso mudou completamente sua rotina. “É muito barulho. A minha mulher está com o sistema nervoso agitado e com depressão. Não aguenta mais ficar no sítio. É uma situação muito difícil”, diz Simão.
A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco visitou a zona rural dos municípios de Caetés e Venturosa e pôde constatar não só a transformação da paisagem, mas confirmar as queixas – repetidas por todos os agricultores entrevistados – sobre o barulho dos geradores. Este repórter que escreve, residente no Recife, achou o som do aerogerador similar ao de quando ouvimos um avião nos sobrevoando fazendo relativo barulho. Mas no caso dos geradores o som é constante, 24 horas por dia, com o aumento considerável do barulho durante a noite e a madrugada, quando os ventos são mais fortes.
João Alves de Araújo, de 44 anos, vive num sítio também em Caetés. Não tem aerogeradores em suas terras, mas a 411 metros de sua casa. “Isso impactou a saúde da gente, tirou nosso sossego. Moro com minha esposa e duas irmãs, sendo uma deficiente. Ontem mesmo ela estava andando no meio do terreiro de 1h da madrugada, sem conseguir dormir por causa desse barulho. A outra precisou ser hospitalizada semana passada, de tanta dor de cabeça por não conseguir dormir”, conta João, com ar de desespero.
Ele considera que seu pai faleceu devido aos aerogeradores. “Foi com problemas de cabeça, dizendo que perdeu o sossego dele com isso. Ele também ficou sem dormir e foi a óbito”, lamenta. O impacto no sono é outro elemento reiterado por todos os entrevistados. “O cara trabalha o dia todo e quando chega a noite não consegue ter sossego. E durante o dia, se quiser tirar um cochilo depois do almoço, eles estão lá passando com o caminhão, guincho, fazendo barulho. É complicado”, se queixa.
Noutro sítio em Caetés vive Claudivânia Salgado da Silva, 42 anos, filha de Simão. Nesta propriedade estão instalados três aerogeradores. “O barulho incomoda e é o principal. Desde a implantação até hoje sentimos vários impactos, mas o principal é o ruído, principalmente à noite. Tudo fica em silêncio e a gente escuta isso muito mais forte, também porque venta mais. Se fosse só esse barulho [de agora] não incomodaria tanto, mas fica mais alto”, diz ela à reportagem.
Ela mora no sítio há oito anos com o marido e os filhos, sendo os últimos seis anos convivendo com os aerogeradores. As instalações geram uma renda de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês, que ficam com o sogro – proprietário dessas terras. Os contratos de arrendamento dos pedaços de terra têm validade de 35 anos, vigentes até meados de 2050. O sogro de Claudivânia optou por se mudar, escolha que foi repetida por muitas outras famílias que “ganharam” aerogeradores em suas terras.
Parte da falta de diálogo se deu pela mudança na gestão do parque. A Casa dos Ventos vendeu em 2017 o parque eólico “Ventos de São Clemente” para a Echoenergia, empresa de São Paulo. “A nova empresa diz que não tinha conhecimento dos problemas, prometem resolver, mas até hoje não resolveram nada.
Em entrevista à rede de notícias BBC, da Iglaterra, a geógrafa Adryane Gorayeb, da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrante do Observatório da Energia Eólica (rede de pesquisadores de universidades públicas de cinco Estados brasileiros), afirma: "A energia eólica não é livre de impactos e se quisermos avançar na geração dela no país, teremos que pensar em uma melhor forma de planejamento relacionado à implantação de parques eólicos e à gestão dos benefícios sociais oriundos dessa indústria".
Entre os principais impactos, Gorayeb cita a emissão de ruído pelas hélices das torres, com consequências negativas para a saúde humana como distúrbios do sono, enxaqueca e estresse; interferência nas rotas de aves; modificação da paisagem natural e estresse cultural, com conflitos comunitários associados à alteração do modo de vida tradicional (pescadores, quilombolas, indígenas); e danos aos sistemas ambientais litorâneos, que levam ao desmonte e à compactação de dunas e do solo, aterramento de lagoas interdunares e remoção de vegetação.
(Brasil de Fato)
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