Pular para o conteúdo principal

Energia limpa? Parques eólicos abalam vidas em Pernambuco

 

(Foto: Vinícius Sobreira/Brasil de Fato)

O ano era 2014. No pequeno município de Caetés, a 250 km de distância da capital Recife, famílias de agricultores começaram a receber visitas de representantes da empresa Casa dos Ventos, que se disseram interessados em instalar aerogeradores de energia eólica na região. 

Os proprietários rurais que “ganhassem” um em suas terras teriam “uma aposentadoria para o resto da vida”. Sete anos se passaram e, hoje, com mais de 200 geradores instalados na região, não só a paisagem rural mudou, mas a vida e a saúde dos agricultores: “a minha vida virou um inferno”. 

Desde agosto deste ano, uma comitiva formada por entidades, movimentos sociais e sindicais e parlamentares está visitando as áreas de parques eólicos no agreste do Estado para ouvir depoimentos de agricultores e agricultoras familiares sobre os impactos desses grandes empreendimentos na vida dessas famílias. O Brasil de Fato Pernambuco acompanhou uma dessas visitas, que deram base a uma série de duas reportagens sobre as consequências da instalação de parques eólicos na saúde das famílias, na produção e no meio ambiente.


Ainda em 2014, quando os representantes da Casa dos Ventos visitaram centenas de famílias rurais dos municípios de Caetés, Venturosa, Pedra e Capoeiras, todos no agreste meridional, região semiárida de Pernambuco, o estado já enfrentava mais de 5 anos de seca. As famílias rurais estavam muito vulneráveis economicamente.

A empresa ofereceu reformar e construir as casas, além de pagar entre R$ 1.500 e R$ 2.000 por cada aerogerador no terreno – segundo a empresa, o valor varia de acordo com a produção de energia naquele mês (mas as famílias não têm acesso a informação sobre quantos quilowatts foi produzido). O recurso é relevante, especialmente num município com menos de 30 mil habitantes e pobre, com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH de 0,522.

As visitas e conversas entre empresa e famílias foram mediadas pelas prefeituras. Naquele momento as gestões eram dos prefeitos Armando (PTB, Caetés), Ernandes (antigo PR, hoje PL - Venturosa), Zeca Vaz (PTB, Pedra) e Neide Reino (PSB, Capoeiras). Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) não foram convidados e só ficaram sabendo das visitas após conversas avançadas.

Ainda assim, mesmo os sindicatos tinham uma visão no geral positiva sobre a proposta da Casa dos Ventos: traria renda para as famílias, melhorando as condições de vida no campo e movimentando a economia local, tudo isso com energia limpa.

Ao longo de 2014 e 2015 foram feitos estudos para a empresa decidir os locais mais adequados para a instalação dos aerogeradores, que foram construídos ao longo de 2015 e o parque eólico, batizado de “Ventos de São Clemente”, entrou em funcionamento em 2016. É um complexo de 126 aerogeradores espalhados em quase 100 propriedades rurais – a maioria em Caetés. Com o início do funcionamento surgiram os problemas e as famílias passaram a buscar os sindicatos locais.

Um desses agricultores é Simão Salgado da Silva, de 73 anos. Ele vive há 13 anos num sítio na divisa entre Caetés e Venturosa com sua esposa Edite Maria da Silva, 72. Sua propriedade rural não tem um aerogerador, mas fica a apenas 220 metros de distância de um deles e isso mudou completamente sua rotina. “É muito barulho. A minha mulher está com o sistema nervoso agitado e com depressão. Não aguenta mais ficar no sítio. É uma situação muito difícil”, diz Simão.

A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco visitou a zona rural dos municípios de Caetés e Venturosa e pôde constatar não só a transformação da paisagem, mas confirmar as queixas – repetidas por todos os agricultores entrevistados – sobre o barulho dos geradores. Este repórter que escreve, residente no Recife, achou o som do aerogerador similar ao de quando ouvimos um avião nos sobrevoando fazendo relativo barulho. Mas no caso dos geradores o som é constante, 24 horas por dia, com o aumento considerável do barulho durante a noite e a madrugada, quando os ventos são mais fortes.

João Alves de Araújo, de 44 anos, vive num sítio também em Caetés. Não tem aerogeradores em suas terras, mas a 411 metros de sua casa. “Isso impactou a saúde da gente, tirou nosso sossego. Moro com minha esposa e duas irmãs, sendo uma deficiente. Ontem mesmo ela estava andando no meio do terreiro de 1h da madrugada, sem conseguir dormir por causa desse barulho. A outra precisou ser hospitalizada semana passada, de tanta dor de cabeça por não conseguir dormir”, conta João, com ar de desespero.

Ele considera que seu pai faleceu devido aos aerogeradores. “Foi com problemas de cabeça, dizendo que perdeu o sossego dele com isso. Ele também ficou sem dormir e foi a óbito”, lamenta. O impacto no sono é outro elemento reiterado por todos os entrevistados. “O cara trabalha o dia todo e quando chega a noite não consegue ter sossego. E durante o dia, se quiser tirar um cochilo depois do almoço, eles estão lá passando com o caminhão, guincho, fazendo barulho. É complicado”, se queixa.

Noutro sítio em Caetés vive Claudivânia Salgado da Silva, 42 anos, filha de Simão. Nesta propriedade estão instalados três aerogeradores. “O barulho incomoda e é o principal. Desde a implantação até hoje sentimos vários impactos, mas o principal é o ruído, principalmente à noite. Tudo fica em silêncio e a gente escuta isso muito mais forte, também porque venta mais. Se fosse só esse barulho [de agora] não incomodaria tanto, mas fica mais alto”, diz ela à reportagem.

Ela mora no sítio há oito anos com o marido e os filhos, sendo os últimos seis anos convivendo com os aerogeradores. As instalações geram uma renda de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês, que ficam com o sogro – proprietário dessas terras. Os contratos de arrendamento dos pedaços de terra têm validade de 35 anos, vigentes até meados de 2050. O sogro de Claudivânia optou por se mudar, escolha que foi repetida por muitas outras famílias que “ganharam” aerogeradores em suas terras.

(Foto: Vinícius Sobreira/Brasil de Fato)

Duas de suas filhas se mudaram para a área urbana, uma devido ao barulho e outra devido a danos físicos em sua casa, também consequência dos aerogeradores. Isso porque a região onde está instalado o parque eólico é muito rochosa e a Casa dos Ventos realizou muitas explosões na região durante a construção e instalação dos aerogeradores. Desde então muitos imóveis passaram a apresentar rachaduras. Neuma lamenta a dificuldade do diálogo com a empresa. “Não recebi nenhuma indenização. Pedi a eles cimento para ajeitar a casa, mas até hoje nunca chegou um saco de cimento. Isso faz 6 anos. 

Parte da falta de diálogo se deu pela mudança na gestão do parque. A Casa dos Ventos vendeu em 2017 o parque eólico “Ventos de São Clemente” para a Echoenergia, empresa de São Paulo. “A nova empresa diz que não tinha conhecimento dos problemas, prometem resolver, mas até hoje não resolveram nada.

Em entrevista à rede de notícias BBC, da Iglaterra, a geógrafa Adryane Gorayeb, da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrante do Observatório da Energia Eólica (rede de pesquisadores de universidades públicas de cinco Estados brasileiros), afirma: "A energia eólica não é livre de impactos e se quisermos avançar na geração dela no país, teremos que pensar em uma melhor forma de planejamento relacionado à implantação de parques eólicos e à gestão dos benefícios sociais oriundos dessa indústria".

Entre os principais impactos, Gorayeb cita a emissão de ruído pelas hélices das torres, com consequências negativas para a saúde humana como distúrbios do sono, enxaqueca e estresse; interferência nas rotas de aves; modificação da paisagem natural e estresse cultural, com conflitos comunitários associados à alteração do modo de vida tradicional (pescadores, quilombolas, indígenas); e danos aos sistemas ambientais litorâneos, que levam ao desmonte e à compactação de dunas e do solo, aterramento de lagoas interdunares e remoção de vegetação.

(Brasil de Fato)

Comentários

Postagens mais lidas

SAÚDE: Erradicação do sarampo até julho deste ano é meta do MS

Reprodução O Ministério da Saúde estipulou como meta erradicar o sarampo até julho deste ano. A declaração do secretário de Vigilância em Saúde (SVS) do ministério, Wanderson de Oliveira, ocorreu nesta sexta-feira (14), após a morte de uma criança de 9 anos no Rio de Janeiro. “Nossa meta é eliminar com o sarampo até 1º de julho de 2020. Para isso temos que ter adesão da população e dos gestores estaduais e municipais”. O ministério lança neste sábado (15), o Dia D de vacinação contra o sarampo. O secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, lamentou a morte da criança e acrescentou que a fatalidade serve de alerta para os pais e responsáveis vacinarem as crianças. “A morte dessa criança, tragicamente, é o maior alerta que a gente pode fazer para que os pais levem as crianças aos postos de saúde do Brasil inteiro para fazer a vacina”. A campanha, cujo Dia D será amanhã, tem como público-alvo pessoas de 5 a 19 anos, mas, após a morte no Rio de Janeiro, o chefe da SVS incent...

Jequié: Sérgio Mehlem deixa o comando da Secretaria Municipal de Cultura

Sergio Mehlem entrou na ‘guilhotina’ (foto Giicult) A prefeita Tânia Britto oficializou com data de 3/11 através do decreto  nº 14.572/2014 a segunda exoneração no primeiro escalão do governo, pós eleições. Desta feita deixa o cargo de Secretario da Cultura e Turismo, Sérgio Mehlem. Anteriormente já havia sido exonerado da Administração, o ex-secretário Luis Carlos Moura. Mehlem vinha sofrendo intenso bombardeio da classe artística pela gestão da pasta e na Câmara Municipal havia sido aprovada convocação feita pelo vereador Joaquim Caires (PMDB), para que ele apresentasse em audiência pública no legislativo um detalhamento dos gastos praticados com a realização do São João da cidade, nos anos de 2013 e 2014. O ex-secretário ainda não havia respondido à convocação. O nome do substituto ainda não foi anunciado.  Em nível de especulações há quem garanta que novas exonerações deverão ocorrer nos próximos dias. (Do Jequié Repórter)

NOVO CORONAVÍRUS: Trabalhadores desinfectando calçadas sem EPIs adequados, correm riscos em Jequié

A prefeitura municipal de Jequié (BA), através da Secretaria de Comunicação (SECOM), divulgou na última sexta-feira (27), matéria no próprio site, imagens de homens trabalhando, lavando e desinfectando pontos de ônibus e calçadas por conta do coronavírus. O que chama a atenção é a falta de equipamentos de proteção individual (EPI), p elas fotos divulgadas é possível notar a falta de alguns equipamentos essenciais para a segurança dos trabalhadores que ficam expostos aos mais variados tipos de infecções contagiosas. Sem dúvida o trabalho de desinfecção dos locais públicos é muito importante, tendo em vista que o novo coronavírus tem se mostrado altamente contagioso. Portanto, a observância com os cuidados e segurança dos trabalhadores se faz necessário ante a ameaça que nos cerca, é por tal razão que o Ministério do Trabalho e Emprego preconiza a NR-06, norma que trata da segurança do trabalhador.

Chuvas chegam em Jequié amenizando calor e poeira

Depois de um período de muito sol, calor e poeira, os jequieenses puderam, enfim, contemplar a chuva que caiu nesta tarde de sexta-feira (06), com previsão de mais chuvas para o final de semana, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) .   A população de Jequié deve ficar atenta pois, com as variações climáticas, poderá ocorrer mudanças com relação a quantidade de chuva precipitada na região, já que na quarta-feira (04), a previsão era de 40mm de chuva para este sábado (observado no Climatempo), caindo agora para 15mm, mudanças que são absolutamente normais em se tratando de natureza. Portanto, nunca é demais observar os cuidados que se deve ter com o lixo descartado, garrafa plastica, entulhos e etc.  

Após primeiro caso confirmado de homem infectado, São Paulo terá centro de contingência do coronavírus

Funcionário usa máscara no Aeroporto Internacional de Guarulhos I Foto: Roberto Casimiro Após a confirmação do primeiro caso de uma pessoa infectada com o coronavírus no Brasil - um homem de 61 anos que vive em São Paulo e tinha viajado para a Itália - o governo do Estado decidiu criar um centro de contingência. O objetivo é monitorar e coordenar ações contra a propagação do novo coronavírus, mas medidas mais detalhadas que serão tomadas ainda não foram divulgadas. O centro, que será presidido pelo infectologista David Uip, será composto por profissionais do Instituto Butantan, médicos especialistas das redes pública e privada, e terá a supervisão do secretário de Estado da Saúde, José Henrique Germann. O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi diagnosticado na terça-feira, 25, em um paciente do Hospital Israelita Albert Einstein. O hospital fez o primeiro exame, que depois foi confirmado pelo Instituto Adolfo Lutz, laboratório de referência nacional para análise de am...