O primogênito do presidente também disse que a comissão "está entrando para a história como algo que mancha a imagem do Senado e faz com que grande parte da população olhe para cá com nojo". E afirmou que seu pai fez tudo direitinho no combate à pandemia, da compra das vacinas ao auxílio emergencial - o que não é verdade.
Se contar a história de sofrimento de seus pais e filhos é "falar mal de Bolsonaro", então o problema não é com os familiares das vítimas, mas com Bolsonaro que não agiu para evitar que esse sofrimento acontecesse. Flávio, contudo, acerta ao afirmar que estamos testemunhando algo "macabro". No caso, a gestão de seu pai. Quando o Brasil registrou 1.786 óbitos por covid-19 em 24 horas, em 4 de março, o presidente Jair Bolsonaro disse para engolirmos o choro e voltarmos às ruas: "Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?".
Não foi lapso, uma vez que ele havia dito algo semelhante quando o país marcou 1.452 mortos em 24 horas, no dia 11 de fevereiro: "Não adianta ficar em casa chorando, não vai chegar a lugar nenhum". Em outras palavras, vão trabalhar e esqueçam seus mortos. Os depoentes que participaram de audiência da CPI da Covid, nesta segunda (18), não esqueceram. E, trazendo história de vida e de luta contra a doença de seus entes queridos, eles produziram empatia - o que é fatal para a narrativa bolsonarista, que relativiza a morte e desumaniza. Giovanna Gomes Mendes da Silva, de 19 anos, assumiu a criação da irmã menor após a perda do pai e da mãe para a doença. Um dos intérpretes de libras.
Márcio Antônio do Nascimento perdeu um filho para a covid. Ele ficou conhecido ao recolocar as cruzes de um protesto pelas mortes na raia de Copacabana que haviam sido derrubadas por um bolsonarista. "Eu quero que alguém me faça entender por que lutar contra máscara, contra a vacina? Eu quero entender. Eu daria tudo para que meu filho tivesse essa chance. Daria tudo para que meu filho tivesse se vacinado", afirmou à CPI.
Lutar é o termo correto. Jair Bolsonaro é um dos principais soldados contra o uso da máscara, defendendo que ela tem "eficácia quase nula"- o que é mentira. No dia 24 de junho, em Jurucutu (RN), ele chegou ao disparate de retirá-la do rosto de uma criança para serfotografado com ela no colo.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro adiou o máximo possível a compra de vacinas. O Brasil poderia ter começado a aplicação ainda em 2020 e, considerando o notável Programa Nacional de Imunização do Sistema Único de Saúde, já teria dado as duas doses para quase todos. Isso se o presidente não tivesse sabotado a compra de doses da Pfizer e da CoronaVac em 2020.
Para a primeira, ignorou ofertas, disse que a vacina transformaria pessoas em "jacaré" e ainda hoje diz que ela está matando adolescentes. Para a segunda, desautorizou uma compra de 46 milhões de doses em outubro do ano passado e afirma que o produto não funciona.
A CPI da Covid deixou para o seu final os depoimentos mais fortes e doídos, para lembrar aos senadores o porquê de eles estarem ali e a razão deles encontrarem consensos. Mas não apenas. Também lembrar à Procuradoria-Geral da República que ela tem o dever de representar o interesse do povo e não do presidente.
Era esperado que uma intervenção do primogênito do presidente, tentando deslegitimar as histórias de vida e morte ali contadas. Ele sempre apareceu, ao longo dos meses de comissão, para criar tumulto e gerar ruído, atrapalhando os trabalhos. Intervenções como essa funcionam como uma espécie de "vacina" para proteger os bolsonaristas dos fatos. Infelizmente, o senador não teve a coragem de dar essa declaração na CPI, cara a cara com as famílias. O que, convenhamos, também era esperado.
(UOL)
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