Nesta terça-feira (21), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez o discurso de abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Em sua fala, ele voltou a defender o “tratamento precoce” contra Covid-19 e minimizou o desmatamento na Amazônia. A Lupa, junto com o Fakebook.eco, verificou algumas das declarações do presidente. A Secretaria de Comunicação da Presidência foi contatada, e as checagens serão atualizadas caso haja manifestação. Veja o resultado:
- “No último 7 de setembro, data da nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas na maior manifestação de nossa história”
(Jair Bolsonaro (sem partido), presidente da República, em discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, no dia 21 de setembro de 2021)
FALSO
Não é possível calcular o número de presentes em todas as manifestações bolsonaristas realizadas em 7 de setembro pelo país, já que não houve um balanço nacional. No entanto, nas principais capitais onde os protestos foram realizados, o número de manifestantes foi inferior ao registrado em 13 de março de 2016 pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), considerado o maior ato político da história. Naquela ocasião, 1,4 milhão de pessoas compareceram à avenida Paulista, segundo a PM. Já em 7 de setembro, a corporação estimou em 125 mil o número de manifestantes em São Paulo.
Em Brasília, onde havia grande expectativa de público, o 7 de setembro reuniu cerca de 105 mil pessoas, de acordo com a PM. O número é superior aos 100 mil estimados em 13 de março de 2016 na capital federal, mas ainda insuficiente para bater a presença na avenida Paulista contra a ex-presidente petista.
- “O Brasil (…) [tem] 83% [de sua energia] advinda de fontes renováveis”
FALSO
De acordo com o Balanço Energético Nacional de 2021, as energias renováveis representam apenas 48,4% da Oferta Interna de Energia (página 16) no país. O número citado por Bolsonaro se refere somente à energia elétrica, e não inclui a energia gasta com transporte, que corresponde a 31,2% do total (página 23).
Segundo o relatório, 48,4% da Oferta Interna de Energia no Brasil é renovável, incluindo biomassa de cana, energia hidráulica, lenha, carvão vegetal e outras energias consideradas renováveis. Quando considerada somente a Matriz Elétrica Brasileira (página 39), a participação da energia renovável é de 84,8%, número próximo ao citado por Bolsonaro.
Vale pontuar, ainda, que energia renovável não significa, necessariamente, baixa emissão de carbono. Principal forma de energia renovável utilizada no Brasil, as usinas hidrelétricas têm média intensidade de emissão de gases estufa (18,5 gramas de dióxido de carbono equivalente por quilowatt-hora), além de causar outros problemas ambientais, como a inundação de grandes áreas para formação de reservatório. Hidrelétricas representam 12,6% da Oferta Interna de Energia e 65,2% da matriz elétrica brasileira.
O relatório foi organizado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com dados da Agência Internacional de Energia (AIE).
“Apoiamos a vacinação”
(Jair Bolsonaro (sem partido), presidente da República, em discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, no dia 21 de setembro de 2021)
MENTIRA
Desde o início da pandemia da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro deu diversas declarações contrárias à aplicação de imunizantes como forma de combater o vírus e, em outros momentos, dificultou a compra de imunizantes. Ele diz, ainda, não ter se imunizado, e colocou seu cartão de vacinação sob sigilo por cem anos.
Em outubro de 2020, o presidente disse que não iria comprar vacinas CoronaVac produzidas pelo Instituto Butantan — a partir de janeiro, o Ministério da Saúde passou a comprar doses do imunizante. Já em dezembro, Bolsonaro afirmou que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina” e defendeu a cloroquina como melhor alternativa no combate à Covid-19. Ainda em 2020, ele solicitou apenas a cota mínima de imunizantes em aliança internacional para compra de vacinas, a Covax Facility. O governo também ignorou dezenas de e-mails da Pfizer oferecendo imunizantes para o país.
Em 2021, Bolsonaro negou-se, publicamente, a tomar qualquer vacina contra a Covid-19 — embora não seja possível saber se ele, de fato, não foi imunizado, visto que seu cartão de vacinação está sob sigilo. Nesta segunda-feira (20), ele disse ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que não estava vacinado.
Em março, o presidente ironizou quem pedia a compra de imunizantes: “Vai comprar vacina. Só se for na casa da sua mãe”, disse.
“Antecipamos de 2060 para 2050 o objetivo de alcançar a neutralidade climática”
(Jair Bolsonaro (sem partido), presidente da República, em discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, no dia 21 de setembro de 2021)
FALSO
A antecipação anunciada pelo presidente só existe em discurso, não em um documento formal. Bolsonaro falou pela primeira vez em alcançar a neutralidade climática em 2050 em abril deste ano, durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, realizada pelo governo americano. No entanto, desde essa época nenhum documento foi submetido à ONU formalizando esse compromisso.
O documento oficial que o Brasil possui com suas metas climáticas é a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), em que cada país oferece suas estratégias e resultados para atingir o objetivo do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global. A primeira NDC brasileira foi apresentada em 2015 na ONU, e atualizada em dezembro de 2020. Nesta atualização, o país cita um “compromisso indicativo” de neutralidade em 2060. O documento também menciona, de forma hipotética, uma possibilidade de antecipação para 2050 condicionada ao funcionamento do mercado de carbono.
“Apesar de o governo federal atualmente considerar alcançar neutralidade de carbono em 2060, o funcionamento adequado dos mecanismos de mercado [de carbono] sob o Acordo de Paris podem justificar um objetivo de longo prazo mais ambicioso no futuro, tendo como horizonte temporal, nesse caso, o ano de 2050”, diz. Compromissos indicativos não são metas formais e os governos não podem ser cobrados por eles. Caso Bolsonaro tenha estabelecido a neutralidade como meta, ainda precisará formalizá-la junto à ONU.
“Estamos há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção”
(Jair Bolsonaro (sem partido), presidente da República, em discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, no dia 21 de setembro de 2021)
FALSO
Não é verdade que não houve nenhum “caso concreto de corrupção” desde o início do governo Bolsonaro. Denúncias de irregularidades reveladas desde janeiro de 2019 já levaram ao cancelamento de contratos para a compra de laptops para escolas públicas e para a aquisição de vacinas contra a Covid-19, à exoneração de um diretor do Ministério da Saúde suspeito de cobrar propina e ao afastamento do vice-líder do governo no Senado, flagrado pela Polícia Federal escondendo dinheiro na cueca.
Denúncias de corrupção na compra de vacinas reveladas pela Folha e pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF), no início deste ano, estão sendo investigadas pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid no Senado e pelo MPF (Ministério Público Federal). Os fortes indícios de irregularidades levaram o governo federal a exonerar o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Ricardo Dias, ligado ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), além de cancelar o contrato para compra de doses da vacina indiana Covaxin, em julho. Dias é suspeito de cobrar propina de US$ 1 por dose do imunizante e também de pressionar um servidor público para que a importação do produto fosse efetuada sem que houvesse a documentação necessária.
Em 2020, durante uma operação da Polícia Federal em Roraima contra o desvio de recursos públicos no combate à Covid-19, o vice-líder do governo federal no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi flagrado com R$ 33 mil em dinheiro vivo escondidos dentro da cueca. Ele foi afastado do posto depois desse episódio. Bolsonaro, que era próximo do parlamentar, usou sua live semanal para tentar argumentar que o senador não fazia parte do governo, apesar de ele ocupar a vice-liderança no Senado.
Outra denúncia de corrupção no governo Bolsonaro foi revelada em 2019. Em 21 de agosto daquele ano, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) anunciou que compraria 1,3 milhão de notebooks e computadores para a rede pública de ensino, a um custo de R$ 3 bilhões. A CGU (Controladoria-Geral da União), no entanto, detectou uma série de irregularidades no edital, como a previsão de compra de 30 mil laptops para uma escola municipal de 255 alunos em Itabirito (MG). Ao todo, 355 escolas receberiam mais de um notebook por aluno. O presidente do FNDE deixou o cargo e o edital acabou revogado em 4 de setembro.
“Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes”
(Jair Bolsonaro (sem partido), presidente da República, em discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, no dia 21 de setembro de 2021)
FALSO
De acordo com o relatório “Perspectivas da Economia Mundial” do Fundo Monetário Internacional, o desempenho negativo do Produto Interno Bruto do Brasil em 2020 (-4,1%) colocou o país em 79º no ranking dos países classificados como “mercados emergentes” e “economias em desenvolvimento”. O desempenho foi pior que o da China (+2,3%), Rússia (-3,1%) e Nigéria (-1,8%), por exemplo, e ficou abaixo da média dos países emergentes, que viram a economia encolher em 2,1%;
Já nas projeções do FMI para 2021 publicadas em julho deste ano, o país deve continuar atrás de outros mercados emergentes. Enquanto a expectativa é de que a economia brasileira cresça 5,3%, outros países devem ter um desempenho melhor, como Índia (9,5%) China (8,1%), Argentina (6,4%), México (6,3%) e Turquia (5,8%). Em abril, quando houve publicação com projeção para todos os países do grupo, o Brasil ocupava o 70º lugar no ranking, com um desempenho presumido de 3,7%.
(Agência Lupa/ Maurício Moraes e Chico Marés)
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