Foto: AFP / BBC News Brasil |
A situação extrema vivida no Ceará nos últimos dias, em que um motim de policiais fez disparar o número de homicídios e quase provocou a morte do senador Cid Gomes (PDT-CE), acendeu o alerta sobre o risco de situações semelhantes se repetirem em outros Estados.
As condições para novas paralisações radicalizadas das polícias se repetem em vários Estados, apontam analistas de Segurança Pública ouvidos pela BBC News Brasil: de um lado, governos com rombo nas finanças enfrentam dificuldade para oferecer reajustes salariais e melhores condições de trabalho às forças de segurança; e de outro, policiais que se sentem mais fortalecidos a pressionar governadores devido à ascensão política de representantes da categoria nos últimos anos, com destaque para a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018.
Antes de chegar ao Palácio do Planalto, quando era deputado federal, Bolsonaro sempre apoiou as reivindicações dos agentes de segurança estaduais e votou a favor de leis de anistia aprovadas no Congresso para perdoar os envolvidos nos motins, já que greves de policiais são proibidas no Brasil.
No momento, Minas Gerais, Paraíba, Santa Catarina, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Alagoas são alguns Estados em que também há forte pressão de policiais por melhores salários e condições de trabalho, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em Minas, um dos três Estados com pior situação financeira do país, o governador Romeu Zema (Novo) contrariou a bandeira de seu partido pelo equilíbrio fiscal e cedeu às pressões para conceder um reajuste escalonado até 2022 de 41% aos policiais, que argumentam estar apenas ganhando uma reposição da inflação após seis anos sem qualquer aumento.
A conquista das forças de segurança mineiras está sendo vista como um gatilho para o aumento da pressão nos outros Estados. No Ceará, a proposta do governo é elevar o salário de um soldado da PM dos atuais R$ 3.200 para R$ 4.500, em aumentos progressivos até 2022. A categoria pede R$ 4.900 e a manutenção de gratificações recebidas hoje que seriam eliminadas na proposta de novo salário do governo.
"A partir dessa greve no Ceará e desse reajuste em Minas, a situação tem potencial para escalar, não no Brasil todo, mas em quatro ou cinco Estados, o que já é muita coisa", afirma o sociólogo Arthur Trindade, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Cidadania da Universidade de Brasília e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
"O risco de instrumentalização política dos policiais pelo presidente é enorme, não necessariamente numa ação direta, de ele mandar (os policiais se mobilizarem), mas, ali no subterrâneo das negociações salariais, o pessoal sabe que tem apoio do presidente. Isso é mais uma peça no já complicado arranjo federativo do governo Bolsonaro com os governadores", disse também.
Antes dessa crise, a relação de Bolsonaro com os governadores já estava tensa por causa de declarações do presidente que foram vista nos Estados como "confrontação". É o que disseram 20 dos 27 governadores em uma carta coletiva divulgada na segunda-feira passada (17/02), em que repudiaram fala de Bolsonaro desafiando os Estados a zerarem impostos sobre combustíveis, a despeito de a maioria estar com as contas no vermelho.
No documento, as autoridades também criticaram o presidente por ter atacando o governador da Bahia, Rui Costa (PT), pela ação da polícia que matou o ex-capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro Adriano da Nóbrega, antes do término das investigações que apuram se ele de foi executado ou morto em legítima defesa após ter atirado nos policiais baianos.
Nóbrega estava escondido no interior da Bahia, foragido da polícia fluminense, suspeito de comandar uma milícia na zona oeste do Rio e de integrar um grupo de assassinos profissionais. A mãe e mulher do ex-capitão chegaram a trabalhar no antigo gabinete de deputado estadual do hoje senador Flávio Bolsonaro (Sem partido-RJ), filho do presidente.
Greves têm servido de trampolim político para policiais
No Ceará, 122 pessoas foram assassinadas entre quarta e domingo, quando o policiamento no Estado ficou comprometido pela paralisação de policiais, número bem acima da média de seis homicídios diários que vinha sendo registrada no ano até então.
Nos últimos dias, integrantes das forças de segurança encapuzados ocuparam batalhões da Polícia Militar em Fortaleza e em cidades do interior, como Sobral, reduto eleitoral de Ciro Gomes, candidato a presidente derrotado nas eleições de 2018, e de seu irmão, o senador Cid Gomes.
À BBC News Brasil, o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, conta que o Estado tem sido palco de mobilizações de policiais há tempos, e que estas têm influenciado o cenário político local nos últimos anos.
O líder da greve realizada na virada de 2011 para 2012, Wagner Sousa Gomes, conhecido como Capitão Wagner, foi o deputado federal mais votado do Ceará em 2018 e agora lidera a corrida eleitoral deste ano para a prefeitura de Fortaleza pelo Pros. Ele, no entanto, usou suas redes sociais nos últimos dias para negar qualquer envolvimento com a mobilização atual, dizendo que isso só prejudicaria sua campanha a prefeito.
"Esses motins da polícia têm servido de moeda de troca política. As lideranças acabam tirando muito proveito disso", afirma Barreira, que considera o motim desse ano mais radical do que mobilizações anteriores.
"A tática de ocupar batalhões não é nova, mas essa atitude de circularem todos de preto, encapuzados, mostra um radicalismo maior. As próprias mulheres têm atuado, com rosto coberto, furando pneus de viaturas", ressalta o sociólogo.
Outro que ganhou capital político após o movimento de 2012, foi Flávio Alves Sabino, conhecido como Cabo Sabino, eleito deputado federal pelo antigo PR em 2014. Sem ter conseguido se reeleger em 2018, ele está sem mandato e se tornou a principal liderança do atual motim.
(Terra)
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