Pular para o conteúdo principal

PARA REFLEXÃO: O BORDÃO "ROUBA, MAS FAZ"...

POR: EUGÊNIO BUCCI. FOTO / REPRODUÇÃO
O bordão “rouba, mas faz” entrou para o folclore político brasileiro na década de 50 do século passado. Os cabos eleitorais do político paulista Adhemar de Barros (1901-1969) o repetiam para neutralizar os adversários, que o acusavam de ser ladrão. Em vez de negar as acusações, os adhemaristas afirmavam que Adhemar eram um fazedor, que construía isso e mais aquilo. Se roubava? Ora, isso era o de menos. O argumento era esdrúxulo, mas funcionava com uma boa parte do eleitorado, que também não ligava para aquele “detalhe” de roubar.

Mas não era detalhe. Naquele tempo, a corrupção não era mixaria. Ainda bem que, hoje, o adhemarismo é um capítulo encerrado.

Ou será que foi ressuscitado? De uns tempos para cá, um argumento muito semelhante começa a fazer escola em debates sobre a situação nacional. Aqui e ali, os defensores de certos governos ligados a certos atos ilícitos se especializaram em listar as chamadas “conquistas sociais” supostamente promovidas por seus ídolos, como se cada uma delas servisse de atenuante para o tal “problema” de corrupção. Eles até reconhecem que a bandeira da ética está em frangalhos em suas fileiras, mas acham que as “conquistas sociais” compensam o vexame. Argumentam com tanta convicção que fazem lembrar os velhos adhemaristas. Reeditam o velho bordão, agora com novo formato: “rouba, mas faz obra social”. Eles efetivamente pensam isso, mas não têm coragem de admitir.

Nos anos 1950, o “rouba, mas faz” era combatido pelos udenistas com uma pregação moralista, histérica e metida a redentora. Era patético, mas dava resultados eleitorais. Fora isso, a pregação moralista era inócua, pois a distorção do “rouba, mas faz” não era de natureza moral. Claro que a corrupção sempre foi imoral, ultrajante e indecorosa, mas sua natureza era política – e é por aí que ela devia ser compreendida e combatida. Politicamente.

Hoje também é assim. Quando alguém aceita o bordão neoadhemarista “rouba, mas faz obra social”, aceita junto a premissa sobre a qual ele se apoia. Essa premissa é a crença de que, na política, a ética é um departamento separado dos outros campos, mais ou menos como, numa empreiteira, o setor de contabilidade é separado do setor de engenharia. Esse engano gravíssimo, embora bastante comum, estava na base do adhemarismo ontem e está na base do neoadhemarismo hoje.

Por que um engano gravíssimo? Muito simples. Nas democracias, a política tece um pacto de confiança entre governantes e governados, sem o qual não há estabilidade institucional. Ao trair a confiança do eleitor, o político assume o risco de romper os laços que dão coesão a essa estabilidade. Às vezes, os laços rompidos são poucos, e as coisas seguem sua rotina sem maiores abalos. Outras vezes, são laços mais profundos, mais estruturantes, e, aí, vêm as crises. Podem ser crises de governabilidade, uma das que o Brasil enfrenta hoje, e podem ser crises mais sérias.

Aí você pergunta: mas a crise de governabilidade do Brasil é resultante da corrupção? Em grande parte é, sim. É resultante da percepção generalizada de que houve muito desvio de conduta e muita mentira para acobertá-lo. O preço que pagamos pela corrupção não se resume a um caixa de bilhões de reais afanados por uns e outros. Se fosse só isso, seria fácil. O preço inclui a respeitabilidade das autoridades, o esvaziamento da capacidade de liderança dos governantes. Se um governo perde o respeito da sociedade, perde a condição de ser governo.

Não é só. Ao drenar os recursos do Estado – recursos humanos, principalmente –, a corrupção sabota a implementação das políticas públicas e, em especial, daquelas concebidas para combater a pobreza e a desigualdade social, que ficam especialmente desmoralizadas. Quem deixa roubar não combate a desigualdade coisa nenhuma, apenas contribui para perpetuá-la, pois vira serviçal do dinheiro sujo, o pior capital que existe, e vira refém das forças mais retrógradas que hoje atuam no Brasil.

Não é com moralismo vulgar que o Brasil vai superar esse mal. A propósito, fuja dos novos moralistas (neoudenistas), que dizem que todos os ladrões de dinheiro público são filiados ao PT. Isso é mentira, é cinismo. Ao mesmo tempo, cuidado com os que tentam posar de vítimas e se esconder atrás de velha mentalidade adaptada aos novos tempos: “Rouba, mas faz obra social”. Outra mentira. Quem rouba faz uma coisa só, e essa coisa é roubar. Cuidado com uns e cuidado com outros.

No mais, façamos figa. A corrupção derrubou o valor de mercado e a credibilidade da Petrobras. Que ela não derrube agora o ânimo do país inteiro.

Comentários

Postagens mais lidas

Consumo de crack começa a substituir o de álcool, revela pesquisa

A facilidade de acesso e o baixo custo do crack estão fazendo com que a droga se alastre pelo País. Uma pesquisa divulgada na segunda-feira (7) pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) revela que o crack está substituindo o álcool nos municípios de pequeno porte e áreas rurais. Nos grandes centros, uma pedra de crack custa menos de R$ 5. Dentre os 4,4 mil municípios pesquisados, 89,4% indicaram que enfrentam problemas com a circulação de drogas em seu território e 93,9% com o consumo. O uso de crack é algo comum em 90,7% dos municípios.”Verificamos que o uso de crack se alastrou por todas as camadas da sociedade, a droga que, em princípio, era consumida por pessoas de baixa renda, disseminou-se por todas as classes sociais”, aponta a pesquisa. O relatório mostra que 63,7% dos municípios enfrentam problemas na área da saúde devido à circulação da droga. A fragilidade da rede de atenção básica aos usuários, a falta de leitos para a internação, o espaço físico inadequado, a ...

Serra do Ramalho: Padre pré-candidato anda com seguranças na cidade

O padre da paróquia de Serra do Ramalho, no Vale do São Francisco, Deoclides Rodrigues, passou a circular pelo município com seguranças particulares. O motivo: anunciou a pré-candidatura a prefeito da cidade. De acordo com o religioso, após demonstrar interesse em administrar o município passou a receber recomendações de populares para que tivesse “cuidado”, já que poderia estar a correr risco de morte. "Não quis acreditar, mas por precaução passei a andar com segurança particular " informou, em entrevista ao site Oeste da Bahia. O caso já foi relatado à Diocese de Bom Jesus da Lapa, uma das circunscrições eclesiásticas da Igreja Católica na Bahia, responsável pela paróquia de Serra do Ramalho. O Bahia Notícias tentou entrar em contato com padre Deo, como é conhecido, mas o telefone não foi atendido. (Bahia Notícias)

Bahia é o segundo estado com maior número de assaltos a bancos no país

A Bahia ocupa o segundo lugar no Brasil em número de assaltos a bancos realizados no primeiro semestre de 2012, segundo dados da 3ª Pesquisa Nacional de Ataques a Bancos. O levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Vigilantes (CNTV) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf) foi divulgado na segunda-feira (20).  De acordo com o estudo, na Bahia foram realizados 37 assaltos a agências bancárias neste ano, o que gerou um crescimento de 8,8% se comparado ao mesmo período de 2011, quando foram contabilizadas 34 ações do tipo. O número é inferior apenas aos do estado de São Paulo, que registrou 99 assaltos em 2012. Logo atrás aparecem Ceará (26), Pernambuco (18), Paraíba (17), Paraná (16) e Mato Grosso (16).  Em relação à quantidade de arrombamentos a agências bancárias, a Bahia contabilizou 54 ações, um crescimento de 100% em relação ao mesmo período em 2011, quando foram registrados 27 arrombamentos. O estado ocupa o quinto lugar no...

Secretário esclarece sobre reforma e ampliação do Centro de Saúde Almerinda Lomanto

Maquete do Centro de Saúde Almerinda Lomanto/Foto Produção Sobre a reforma geral e ampliação do Centro de Saúde Almerinda Lomanto, localizado na Praça João XXIII, bairro Joaquim Romão, o secretário de Infraestrutura, Geomésio Ataíde, informa que a obra encontra-se com seus serviços paralisados, aguardando o resultado da nova licitação para ser dada a Ordem de Serviço para o reinicio dos serviços. Informa, também, que a paralisação deveu-se a demora dos repasses financeiros do convênio por parte da SESAB (Governo do Estado), o que teria levado a empreiteira a abandonar a obra. Geomésio Ataíde destaca ainda que a Secretaria Municipal de Infraestrutura solicitou a rescisão contratual e realização de nova licitação, ora em tramitação no Departamento de Compras (Secretaria Municipal de Administração) da Prefeitura de Jequié.

Feminismo no Brasil

Ao falar sobre o feminismo no Brasil, devemos inicialmente falar sobre a situação da mulher em nossa sociedade. Durante vários séculos, as mulheres estiveram relegadas ao ambiente doméstico e subalternas ao poder das figuras do pai e do marido. Quando chegavam a se expor ao público, o faziam acompanhadas e geralmente se dirigiam para o interior das igrejas. A limitação do ir e do vir era a mais clara manifestação do lugar ocupado pelo feminino. A transformação desse papel recluso passou a experimentar suas primeiras transformações no século XIX, quando o governo imperial reconheceu a necessidade de educação da população feminina. No final desse mesmo período, algumas publicações abordavam essa relação entre a mulher e a educação, mas sem pensar em um projeto amplo a todas as mulheres. O conhecimento não passava de instrumento de reconhecimento das mulheres provenientes das classes mais abastadas. Chegando até essa época, as aspirações pelo saber existiam, mas não possuíam o interesse d...