Foto: FolhaPress |
Em entrevista, o cantor e compositor Gilberto Gil creditou a Caetano Veloso a existência do Tropicalismo. “Antes de tudo, a composição. O gosto pela junção entre a elegância poética, a elegância do poema e a elegância dos versos. O uso desembaraçado dos modos clássicos de escritura poética com a poesia moderna, sem rima, livre. Num certo sentido, uma continuidade renovada do impulso dado por Vinicius [de Moraes] e outros tantos mais. Se ele diz, talvez com certa razão, que sem mim não teria ido para a música, a música tocada, eu diria que sem ele não teria ido para a palavra cantada como fui. É a mesma coisa no tropicalismo. Sem ele [Caetano], talvez o tropicalismo não existisse. Comigo, não existiria. Eu não existiria como compositor nesse patamar, se não fosse por ele. Pela companhia, pela proximidade permanente, pelo convívio com a maneira dele de fazer. Até hoje, por exemplo, ainda é para mim muito misterioso como Caetano elabora as canções. Até porque ele não fala”, disse ao jornal Folha.
Durante conversa com a reportagem, o artista baiano também falou sobre as turbulências políticas do último ano que aconteceram no Brasil. “O mais de perto possível, como todo mundo. Até porque ninguém está imune à presença avassaladora da televisão, do jornalismo e, agora, até da própria mídia cibernética. Uma avalanche permanente de informação e contrainformação, posicionamentos e contra posicionamentos, denúncias e contestações das denúncias”.
Ele disse ainda que não enxerga o problema como sendo só do Brasil. “É da civilização atual. Essa extrema dedicação de energias a um certo materialismo inconsequente, que perpassa todo o sistema produtivo e distributivo. [Isso] mina cada vez mais a dimensão política. É possível identificar o momento em que a política teve per se um certo papel. Agora, cada vez menos, porque o que manda mesmo no mundo é o afã da interpretação materialista”.
Sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff ele disparou: “eu fui contra o impeachment, muito claramente [Gil foi ministro da Cultura no governo Lula]. Fui um dos primeiros a me manifestar contra. Sou contra até hoje”.
Na oportunidade, foi lembrado também sobre os tratamentos médicos que ele teve que enfrentar e do medo do fim da vida. “Eu fiquei vendo a consequência de outro fenômeno, que é o envelhecimento. Aquela coisa de "o homem velho é o rei dos animais", como dizia Caetano sobre o pai. Fiquei vendo que o envelhecimento nos dá um pouco mais essa aura de respeitabilidade, de cuidado público com a figura. Eu vinha tendo. Minha própria obra musical, poética, filosofante se dedica muito a essa questão da finitude. A vida para além da vida. O significado do estar neste mundo, nesta circunscrição da matéria”.
E continua: “todas essas coisas já eram há muito tempo de meu interesse. Desde que eu me encontrei com a ioga, com a macrobiótica na prisão, desde o "Cérebro Eletrônico", "Vitrines", aquelas músicas daquele momento [1969], desde lá eu sempre tive uma reflexão. Aí, agora, com as ameaças efetivas ao corpo físico, tive que intensificar ainda mais as minhas meditações a respeito dessas coisas todas. Não era só mais pensar na morte, mas começar a lidar com ela [risos]”.
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