Por André Siqueira
(Carta Capital)
Não há melhor laboratório, para economistas e curiosos dos
assuntos do dinheiro, do que o supermercado. Minhas últimas incursões (mais por
necessidade do que por interesse científico, diga-se) permitiram antecipar dois
temas que terão espaço crescente na mídia. Ao primeiro: os produtores de
laranja brasileiros estão preocupados, segundo manchete do Valor Econômico na sexta-feira 17,
diante da possibilidade de a Pepsico – dona da marca de sucos Tropicana, quase
onipresente nas gôndolas dos Estados Unidos – reduzir significativamente as
importações da fruta. Simplesmente porque a concorrência não vende mais o
produto 100% natural, e sim o chamado néctar, que preenche as garrafas com mais
de 50% de água e açúcar, o que garante à empresa um lucro substancialmente
maior.
Faz um
bom tempo que o néctar, que na verdade é apenas o nome novo dado ao antigo
refresco, dominou as prateleiras no Brasil. Desafio um consumidor a encontrar
um suco integral na seção de “sucos de caixinha” dos grandes hipermercados.
Pior imaginar que a maioria das donas de casa paga por aquela mistura de água,
açúcar e conservantes e imagina que vai levar para casa um produto realmente
saudável e nutritivo.
O curioso é ver um problema que até então
poderia se restringir à seção de defesa do consumidor ganhar status de ameaça à
balança comercial. Somente em 2010, as exportações de suco de laranja superaram
2 bilhões de dólares. Mas nas duas últimas safras a queda nas vendas, em
volume, foi de 27%. Quem sabe o lobby dos citricultores, de olho em reforçar ao
menos o mercado doméstico, não inicia uma campanha de orientação do consumidor
sobre os benefícios do consumo do suco integral?
Sem deixar a seção de bebidas, o consumidor
mais atento deve ter percebido um sintoma de um problema de escala planetária:
já é mais barato comprar refrigerante do que água mineral. É claro que a
vantagem de preço depende das marcas selecionadas, mas não chega a ser preciso
comparar uma Perrier com a mais barata das colas. Não custa lembrar também que
a água usada pelas fábricas apresenta, ou deveria apresentar, exatamente as
mesmas propriedades básicas encontradas nas fontes dos Alpes suíços: o liquído
deve ser incolor, inodoro e insípido.
Há cerca de duas décadas, senão menos, o
consumo de refrigerante de uma família de classe média praticamente se resumia
a uma garrafa (de vidro retornável) de um litro, a ser dividida por cinco
pessoas no almoço dominical. Daí a bebida gaseificada continuar a ser considerada
um item de desejo na pauta de consumo de parte da população, sobretudo a
parcela que ascendeu para a classe C nos últimos anos.
Em que pesem as conseqüências (certamente
negativas) para a saúde pública do consumo desenfreado de refrigerantes, o que
mais choca o observador incauto é o processo de valorização da água mineral.
Para os habitantes do país que detém as maiores reservas mundiais de água doce,
é difícil avaliar o tamanho da sombra da escassez já percebida por quem vive
nas regiões menos afortunadas pela natureza. Mas é fácil ver a proliferação de
logotipos de multinacionais nos rótulos das marcas à disposição nos pontos de
venda. Mais um movimento do mercado que, a exemplo do sumiço dos sucos 100%
naturais, não deveria ficar de fora do radar das autoridades brasileiras – e
nem dos consumidores.
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